SENHOR! SENHOR!
"Senhor, eu quero andar na Rua do Catete,
Senhor Guarda, Senhor Doutor, Senhor Deus,
Senhor Quem Quer que Sejais,
Eu quero andar na rua do Catete,
Daqui onde estou não posso ir lá,
Entretanto são seis e meia da tarde
E é absurdo não estar na Rua do Catete às seis e meia da tarde.
Tenho uma entrevista às seis e meia,
Um encontro sério,
Não na Rua do Catete: com a Rua do Catete.
Minha mulher estaria num quarto de pensão cuidando de meu filho,
Eu estaria, Senhor, na Rua do Catete,
Iria andando para a pensão
Pela Rua do Catete,
Por uma calçada suja e viva,
O cheiro ruim dos açougues,
Através dos esbarros,
Dando boa tarde a estudantes na porta do café da esquina,
Da esquina da Rua do Catete;
Veria moças sem meias, desalinhadas e ágeis,
As eternas moças populares, democráticas
Da eterna Rua do Catete.
Moças que vão às quitandas, moças das transversais.
Não irei, Senhor, nas transversais!
Senhor, desisto do trecho largo
Entre Largo do Machado e José de Alencar,
Desisto de Correia Dutra até a Glória,
Quero apenas um pedaço da Rua do Catete.
Senhor, me deixe ir lá,
Embora de barba não feita, Senhor,
Embora inquieto, indo para a pensão,
Inquieto com problemas financeiros urgentes.
Senhor, não sou Adalgisa!
Não quero ser Deus, nem Pai nem Mãe de Deus,
Não quero nem lírios nem mundos.
Sou pobre e superficial como a Rua do Catete.
Quero a pequena e amada agitação,
A inquieta esquina, aves e ovos, pensões,
Os bondes e tinturarias, os postes,
Os transeuntes, o ônibus de Laranjeiras,
Único no mundo que tem a honra de pisar na Rua do Catete,
No meu trecho da Rua do Catete.
Senhor, são seis e meia da tarde,
E o que vos peço não é o Palácio, Senhor,
O Palácio não quero eu.
Nem as estrelas frias, nem o caminho perdido,
Nem a donzela dúbia não quero eu.
Quero ir para o meu quarto.
Onde estariam minha mulher e meu filho.
Ir pela Rua do Catete, Senhor, Senhor!"
Rubem Braga (Antologia de poetas brasileiros bissextos contemporâneos. Rio de Janeiro, Zélio Valverde, 1946, p.75)